11 de setembro de 2006

Palavras.

Zaratustra respondeu: «Amo os homens.»
«Então porque é que - redarguiu o santo- me retirei para a floresta e para este deserto? Não foi também por amar demasiado os homens? Agora amo a Deus, não amo os homens. O homem é uma criatura demasiado imperfeita para o meu gosto. O amor pelo homem matar-me-ía.»
Zaratustra respondeu: «Quem está a falar de amor! Levo uma dádiva aos homens.»
«Nada lhes dês- obtemperou o santo-. Toma-lhes antes uma parte do fardo, que os ajudarás a carregar; nada lhes dará mais prazer; e possas, também tu, achar-te bem! E se lhes queres dar uma dádiva, que seja uma esmola, e ainda assim espera que ta peçam».
«Não-replicou Zaratustra-eu não dou esmolas. Não sou pobre bastante para isso.»
O santo pôs-se a rir de Zaratustra e falou assim: «Nesse caso procura que eles aceitem os teus tesouros. Eles desconfiam dos solitários e não conseguem acreditar que lhes vamos oferecer alguma coisa. O som dos nossos passos pelas ruas acorda um eco demasiado solitário. É por isso que à noite, nas suas camas, quando ouvem passar um homem, muito antes do nascer do sol, eles perguntam: 'Onde irá este ladrão?' Não vás para entre os homens, fica nas montanhas. É melhor ires fazer companhia aos animais. Porque não queres ser como eu- urso entre ursos, ave entre aves?»
«E o que faz o santo na floresta?»- perguntou Zaratustra.
O santo respondeu: «Faço canções e canto-as, e enquanto faço as minhas canções, rio, choro e murmuro, e é essa a minha maneia de louvar a Deus. Cantando, chorando, rindo e murmurando, louvo ao Deus que é meu Deus. Mas deixa ver: que dádiva nos trazes?»
Ao ouvir estas palavras, Zaratustra despediu-se do santo e disse-lhe: «Não me faltariam presentes para vos dar! Mas deixai-me ir embora depressa, com medo de vos tirar alguma coisa!» E assim se separaram um do outro, o ancião e o homem feito, rindo como duas crianças. Mas quando Zaratustra ficou só, falou assim ao seu coração: «Será possível? Este velho na sua floresta ainda não ouviu dizer que Deus morreu!».

Friedrich Nietzsche in Assim falava Zaratustra



Palavras mágicas. Recordações mais- que- bonitas. Um canto à vida. Um livro para todos e para ninguém, como cita o próprio filósofo.

E saudades? Mais que muitas.






1 comentário:

Anónimo disse...

Ando para ler esse livro há uns tempinhos :)

Pena é que todos os velhinhos de todas as florestas deste mundo ainda não se tenham apercebido que Deus morreu. Pena é que as pessoas continuem a dar esmolas para resolver as coisas. E pena é que não acreditem na acção humana.



(mais penoso ainda, é saber que Ele nunca existiu. mas o saber que vai havendo quem ame Homens na sua completa imperfeição, faz-nos acreditar neste mundo, por mais que nos apeteça fugir dele...)


ó menina, eu sei lá. um beijinho a ti*