7 de março de 2009

Bom dia, bairro.

Subia as escadas e logo sentia o cheiro das castanhas a queimar-me a pele. O sol, que acabava de nascer, entrava-me pelos ouvidos numa bonita melodia e, enquanto caminhava, o som apressado dos passos das gentes transformava-se, acreditem, num aroma delicioso.
Chegava à sexta rua, depois do arco, olhava para cima abismada e dizia bem alto "Bom dia, bairro!". Parecia contraditório dizer bom dia ao bairro da noite, mas não é mentira que também vive de dia, e se vive!
O bairro não é sujo, como muitos o vêm. Tem sempre quem tome conta dele e o lave com o cuidado que merece. Cada vez que ia ter com a dona I., mesmo enquanto chovia, lá estavam eles, os senhores amarelos, a lavar cada cantinho do bairro. Cuidavam dele como se lhes pertencesse e no coração traziam guardado cada momento que nele viveram.
Que bom que era poder entrar em qualquer porta, e, ao encontrar gentes antigas, pedir, sem qualquer tipo de explicações, "conte-me a sua história". Como eu gostava de ler os poemas do senhor J., e de ouvir as divagações do senhor A. acerca da vida dos velhos. Que bem que sabia rir com as brincadeiras da dona M., e arrancar uma gargalhada ao velho R., que já não podia ver a beleza do bairro.
O bairro não tem só velhos, também tem crianças, para lhe darem vida. Jogavam à bola de um varandim para outro, e escondiam-se dos pais nas esquinas das ruelas.
Por vezes, quando regressava a casa, encontrava, perto do papelão, o senhor C., que deitava para a reciclagem os livros e jornais do dia. Pedia-lhe sempre que antes de os deitar fora, me lesse as palavras mais bonitas que encontrara, para que pudesse ir para casa com o sabor do bairro nos ouvidos.
Antes de me encontrar com ele, para bebermos um chá, passeava-me pelas ruas íngremes e altas do bairro e começava a ouvir cá dentro, num sussurro "o bairro do amor é feito a lápis de cor", e na minha cabeça, toda aquela beleza se transformava num emaranhado de rabiscos coloridos.
Os dias acabavam com festas no cabelo, e a frase que me enchia o coração: "É bonito ver como as pequenas coisas te fazem tão feliz!".