25 de agosto de 2008

Gira que gira e torna a girar.

Um passo. Depois outro. Assim iam, calmamente, os frágeis pés tacteando o cheiro doce da calçada. As pedras, já gastas, que trajavam a terra nua da vila, viam-se embrulhadas em pedaços frescos de verde, que, sem saberem, as tornavam cheias de vida. Distraída, quis saber que sapatos trazia. Tinham passado muitas horas desde que os calçara (e a cabeça, essa, nunca deu para muito). Inclinou mecanicamente a cabeça sobre o tronco curvo, e, surpreendida, avistou pelo menos uma dúzia de caracóis dormitando nos pedaços de verde que davam vida às pedras da calçada. Agachou-se, para ver melhor e apercebeu-se que muitos deles não podiam estar a descansar, moviam-se tão lentamente, que o seu movimento se confundia com o leve oscilar das suas conchas nos dias de muito vento. Assustada com a ideia de que poderia ter pisado metade daqueles animais, caso continuasse caminho sem ligar aos sapatos, pegou, delicadamente, naquele que se encontrava mais ao seu alcance, que, ao sentir o calor dos seus dedos enrugados, logo se mergulhou no conforto espiralado da sua concha, e pousou-o sob as folhas das flores coloridas que se plantaram à beira da calçada. Assim foi passando o tempo, enternecendo-se com os diversos padrões de todas aquelas conchas. Manchas amarelas, riscas pretas, pequenas bolas esverdeadas, ziguezagues em tons castanhos, a variedade era muita. Pousava-os sempre na margem de lá, não fosse esse o grande sonho dos pequenos animais, e murmurava para os mais teimosos : 'Despega-te daí, que ainda és esmigalhado por algum pé apressado!'.
O senhor João observava, encantado, a vila do cimo do seu terraço, quando reparou no que se passava na viela do lado.
- Maria!, Maria! O que andas a fazer? - gritou.
A Dona Maria, surpreendida com tanta gritaria, olhou, com os maiores olhos que tinha, para cima da sua cabeça, e ao ver o senhor João naquela euforia, disse, calmamente:
- Estou a tirar os caracóis do meio da rua, para que ninguém os pise.
- Deixa lá os caracóis, tens que vir cá acima ver isto!
- Isto o quê?
- A vila vista daqui parece um jogo de blocos, daqueles que fazíamos quando éramos pequenos!
- João, tu sabes bem que a minha dor na perna não me deixa subir escadas.
- Faz um esforço, vais ver que vale a pena.
Pouco convicta, mas com a curiosidade a subir-lhe o corpo, olhou em frente e rapidamente os seus olhos transmitiram à sua cabeça o que viam: o Monte Evereste, mais íngreme que nunca. Respirou fundo, e pisou o primeiro degrau. Levava o mundo dos sonhos na mão esquerda, e com a direita pedia ajuda ao corrimão. Cansada, mas com os olhos mais brilhantes que a água translucida que corria na fonte, subiu o último degrau.
Num silêncio harmonioso, sentaram-se os dois no muro do terraço, e, aquecidos pelos raios-de-luz que brotavam do final da tarde, foram, esquecidos do que eram, duas pequenas crianças, que brincavam, encantadas, com blocos feitos de sonho.

16 de agosto de 2008

De que valeram os cinco-e-meio?

Fecha os olhos. Conta até 5. 5 1/2, vá.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Cinco-e-meio.
Ali estou eu, a olhar para ti com o meu maior sorriso. Não me vês? Ali! Hei??
Parece que já reparaste em mim. Começas a caminhar na minha direcção, sobre os teus passos calmos e despretensiosos. Esboças um sorriso.
Caminhas. Caminhas. Caminhas. Caminhas.
E eu cada vez mais Longe. Longe. Longe. Longe.
A tua cabeça desiste de manter o corpo acordado.
As pernas não se movem. O coração pára. Os olhos abrem-se.
Vais-me perdendo nas espirais de cores que rodam dentro dos teus olhos.
Sabes que nunca me vais encontrar, mas não choras.

Agora, de olhos bem abertos, vagueias por um conhecimento ainda desconhecido, um espaço assustador, mas que te fascina.



Como foi que deixaste que os teus olhos me perdessem?