9 de setembro de 2017


Foi quando a Terra parou de tremer, que o meu coração acordou.

E nunca mais adormeceu. Nem ele, nem eu.

4 de janeiro de 2012

Beginners.

Hal: Well, let's say that since you were little, you always dreamed of getting a lion. And you wait, and you wait, and you wait, and you wait but the lion doesn't come. And along comes a giraffe. You can be alone, or you can be with the giraffe.
Oliver: I'd wait for the lion.
Hal: That's why I worry about you.

11 de setembro de 2011


Now our lives are changing fast,
hope that something pure can last.

28 de março de 2011

Change.

Change moves in spirals, not circles. For exemple, the sun goes up and then goes down, but everytime that happens, what do you get? You get a new day. You get a new one. When you breathe, you inhale and you exhale, but every single time that you do that you are a little bit different then the one before.

Half Nelson (2006)

1 de fevereiro de 2011

You know when a song comes on and you just have got to dance?



Um dia esta ainda vai ser para dançar.
Até a agulha do gira-discos parar e cairmos tontos no meio do chão.
Um dia.


Música roubada do bonito Blue Valentine (2010)

31 de dezembro de 2010


Let your heart...

run along to the rhythm of your song.


(é a mensagem para o novo ano roubada aos Kings of Convenience.)

18 de novembro de 2010

A rapariga que se alimentava de flores

'(...) Sentir o tempo todo pela frente e o desespero. Não ter coragem para se mexer. (...) Entrar em pânico, respirar como quem sufoca, deixar-se cair da cama para o chão como se do chão já não se pudesse cair para nenhum lado (...). Não ter coragem para se mexer.'
Pedro Paixão, Amor Portátil

E depois ouvir...

'Hold your breath and count to ten. And fall apart. And start again.
Start again. Start again.
Start again.'
Placebo, English Summer Rain

23 de agosto de 2010

To build a home

A minha mente desperta, mas os olhos mantêm-se fechados. Sinto a alma leve, e o coração quente. O meu corpo, demasiado cansado para se mover, tenta adivinhar a posição de cada um dos seus membros, de forma a deduzir a orientação das paredes e o lugar de cada móvel, e assim reconstruir a morada que o abriga.
Tarefa difícil, esta, para um corpo tão cansado. Frágil, pede ajuda ao cantinho da memória que guarda lugares e sensações, pede-lhe que lhe ofereça recordações de todos os quartos por que já passou. E vai-se rendendo à facilidade com que as imagens vão sendo projectadas sob as pálpebras, tal e qual um filme, e com que as sensações vão atravessando as camadas mais profundas da pele. Todo este trabalho, estando apenas a um movimento da realidade.
Os olhos não se abrem, mas, mesmo assim, vêem tudo. À direita, pendurada no centro da parede, a casa de madeira das borrachas que são escovas e pastas de dentes, dados, lápis e afias. À esquerda, ao fundo da cama, a máquina de escrever que ainda guarda as histórias da noite anterior. O chão, cosido de verde-esperança, tal como o jardim lá fora. E as quatro paredes azuis, guardando, cada uma, um segredo diferente. Os olhos vão acreditando nesta realidade, mas o nariz, desconfiado, pede pela confirmação. E, ao sentir o ar respirado a aconchegar as suas paredes, percebe que só se enganou a si próprio. O cheiro que o invadiu é-lhe demasiado íntimo e vivo. Falta-lhe o cheiro do vazio, do abandono. O cheiro a mofo.
E logo se desvanecem as paredes azuis e o chão verde, a casa das borrachas e a máquina de escrever. É pintada, sobre a tela dos meus olhos, outra casa para o meu sono. Cores quentes aconchegam-me a pele e quase me queimam os olhos. O coração, inconscientemente, começa a bater mais rápido e, sem o corpo se aperceber, vão-se escapando alguns batimentos. Do lado direito, começam a ser pintados, sobre as janelas, os cortinados vermelhos e, debaixo de mim, os lençóis azuis. Não estou sozinha. Outro corpo frágil e cansado repousa ao lado do meu. É um corpo vazio. Que está, mas não está. Há muito que o seu coração fugiu do seu corpo. Há muito que não está, mesmo estando. O meu braço esquerdo ganha vida, alimentado pela raiva que circula por todas as minhas veias e as dilata. E percorre a cama, em busca desse corpo ausente, mas não o encontra.
Os meus olhos voltaram a enganar o meu corpo. Estes, já quase sem força para projectar um novo quarto, pensam em desistir, mas o comodismo vence, uma vez mais. Vêem-se pássaros de todas as cores feitos em origami a voar pelas quatro paredes do quarto. Na parede do fundo, o suporte de fotografias trazido do México, que dá casa a algumas das minhas histórias. Mais em baixo, a mochila Monte Campo azul-escura, com um botão no lugar da sua identidade. O chão está coberto por livros e folhas escrevinhadas, e do lado esquerdo, a cadeira de baloiço, que serve de suporte à roupa do dia seguinte: uma t-shirt amarela, all-stars azul esverdeados e calças de ganga já meio gastas. O nariz vermelho repousa ao lado da t-shirt, à espera de tomar o seu lugar entre os meus pequenos olhos castanhos. Na mesa de cabeceira, está o meu telemóvel, que tem como capa um recorte de revista do burro do Shrek e que me acorda todas as manhãs com luzes coloridas e um toque polifónico suficientemente irritante. Com medo que o toque termine com a calma do meu corpo, o meu braço esquerdo, já habituado ao movimento, guia a sua mão até à mesa-de-cabeceira em busca do botão capaz de atrasar, indefinidamente, o meu acordar. A mão esquerda embate, imediatamente, num objecto que se assemelha, em tudo, a um telemóvel. Estranhamente, nenhum dos dedos, ao percorrer todas as arestas e vértices do mesmo, encontra o botão mágico. Nem esse, nem nenhum. O telemóvel não tem botões. Assustado, todo o meu corpo decide despertar, e os meus olhos, demasiado preguiçosos, afastam finalmente as suas pálpebras quentes, como o braço direito afasta os cobertores, deixando a nu todo o corpo.
As paredes estão brancas, os pássaros cansaram-se de voar e levaram com eles as minhas histórias. No lugar da mochila, uma mala castanha não muito grande. O chão está nu. Os livros arrumaram-se, os papéis fizeram-se pássaros e fugiram. A cadeira continua a balançar, mas sem roupa. Abro o roupeiro, mas já não vejo t-shirts nem calças de ganga. As t-shirts são agora blusas e as calças transformaram-se em saias e em vestidos de todas as cores e feitios. Sapatos e sandálias no lugar dos ténis. O nariz vermelho já nem me serve. O telemóvel sem botões começa a despertar. Já não toca às cores, mas ouve-se 'this is a promise with a catch'. Olho para a cama, e não encontro outro corpo. Ouço a música que ainda toca. Acredito na promessa. O coração acalma-se e os meus olhos sorriem. Mas não resisto, e mesmo antes de tomar o pequeno- almoço, trinco um quadradinho de chocolate da tablete esquecida no canto da mesa-de-cabeceira. E mais um, e outro. E fico satisfeita, mas nunca o suficiente. E este é o meu ópio, sempre será.
Enquanto sinto a garganta a arder do doce exagerado do chocolate, os meus olhos viajam uma última vez pelo quarto em que acordaram. Um esqueleto com todos os ossos dos nossos corpos substitui a secretária cheia de livros.
E lembro-me que já sou fisioterapeuta. E o orgulho cresce. E cresce. E muito!
Mas o medo também.

A vida está prestes a começar, como há quem diga.

E ouço cá dentro novamente: 'Finalmente és livre. Podes ser quem quiseres, fazer o que bem te apetecer. Este é O momento e as decisões são só tuas. E se for para arriscar, fá-lo agora, que depois vai ser tarde.'.
E não é fácil. Não é fácil decidir-se quem se quer ser. E piora quando, a cada dia que passa, descubro outra forma para ser, e outra, e outra. Infinitas formas para se ser. Mas apesar das dúvidas e do medo, eu sei bem quem quero ser, e sei o que quero fazer. E o comodismo não me vai matar nunca.
E prometo, vou fazer de tudo para encontrar um nariz vermelho que me sirva. E mesmo quando não existirem mais narizes vermelhos, vou encontrar forma de criar o meu próprio nariz vermelho.

Porque eu não quero, nunca, ser sem nariz vermelho.

1 de maio de 2010

True love will find you in the end

diz o grande senhor Daniel Johnston.
E se ele o diz, eu acredito, pois então.

Afinal ele é O génio.


E parece compreender-me.
Mais ninguém tem um carinho especial pelos filtros dos cigarros, nem pensa que há coisas que duram tempo demais.
Pois não?

20 de fevereiro de 2010

eu sempre soube que o chá estava quente.

foda-se. FODA-SE!
então?
queimei-me!
porque bebeste o chá se sabias que ainda estava quente?
olha que pergunta! sei lá eu. eu gosto deste chá! queria acreditar que não estava tão quente como parecia.
muitas vezes as coisas são mesmo como parecem. já devias saber.


oh, não chores. por favor não chores!
como queres que não chore? isto dói. e dói muito.
mas eu nunca sei o que fazer quando alguém chora ao meu lado. se não te abraçar vais pensar que sou a pessoa mais insensível que conheces. se te abraçar vais chorar, inevitavelmente, o dobro. ou o triplo. eu bem sei como é comigo. sempre que tenho apenas uma ou outra lágrima colada à face e alguém me vem reconfortar com palavras bonitas e abraços está tudo estragado. quando consigo pará-las, já eu estou completamente ensopado, como se tivesse saído de uma grande tempestade.
então não me abraces. não me abraces, que eu tenho medo de tempestades.
e pior, agora tenho medo de beber chá.

e depois, como me aqueço eu?

21 de novembro de 2009

Só por ser Outono vou chamar-te meu amor.

Lembro-me do meu primeiro dejà vu. Um caixote do lixo no Jardim Gulbenkian. Tarde de Outono, em tons amarelos, laranjas e castanhos. Passeava, pela primeira vez, na relva quase seca daquele Jardim. Reparo, inconscientemente, num dos caixotes do lixo. Aquele caixote do lixo. A estranha sensação de familiaridade a crescer dentro de mim. Eu conheço aquele caixote do lixo, pensei. Eu nunca estive aqui, repensei imediatamente. Este dilema a queimar-me a cabeça. Poderia ser qualquer outro caixote do lixo. Os caixotes do lixo não são todos iguais? Claro que não. As pessoas também são todas iguais? Não, mas com as pessoas é diferente. Diferente… é agora diferente! Por mais que pareçam iguais, cada caixote do lixo tem as suas próprias características e peculiaridades. E este é aquele, consigo reconhecer perfeitamente as suas tiras castanhas gastas e compridas. É este o tronco da árvore que o suporta, impedindo que o forte vento de Novembro o tombe a qualquer momento. É este. Tento lembrar-me do que vem a seguir, mas não sou capaz. A única imagem que é projectada nas minhas pálpebras, ao se pousarem delicadamente sobre os olhos, é o caixote do lixo castanho. Tento esquecer aquela estranha sensação. Vou caminhando. Calço os ténis que a avó me deu. Há quantos anos? A mim já não me crescem os pés. E, sem me aperceber, vejo-me abraçada por mais de uma dúzia de pessoas. Uma de cada vez. Abraço. Apenas a palavra. Uma bonita palavra. Vento. Terra. E Senti. Dentro de todos aqueles braços senti. Senti-me mais frágil. De vidro, de papel, de plástico. Frágil. Só particulas, não o todo. Moléculas? Átomos? Senti-me mais velha. Senti-me mais criança. Mais velha e mais criança ao mesmo tempo. Diferentes cheiros. O cheiro de todos. O cheiro de cada um. O teu cheiro, meu amor. Nas minhas mãos, no meu cabelo, no meu vestido, (no meu coração?). O teu cheiro em mim, meu amor. E eu que fechei os olhos. Bolas. Perdi o céu dos dias sem nuvens dos teus. Porquê? Parem, idiotas. Parem! Não está frio para isso. Nem calor. Também não está calor para isso. Parem! O suor dos meus olhos a escorrer-me pelas faces rosadas. Vou contar-lhe um segredo. Um segredo verdadeiramente estúpido. Não pode fazer troça de mim, prometa. Tem que prometer. Tenho medo de cães. Tenho muito medo de cães. Já sabia que ia fazer troça de mim. Sim, eu sei que os cães são queridos, mas eu tenho medo deles. Tenho medo de cães! Ainda bem que não se importa. Vou-lhe contar outro segredo. Posso? As pessoas que gostam de cães despertam em mim uma certa sensação de enjoo. Olhe, apetece-me vomitar. Não que não goste de si. A senhora não tem culpa. A verdade é que tenho muita vontade de vomitar. Desculpe. Até amanhã, ou qualquer dia. Até qualquer dia. Gatos? Sim. Os gatos sim. Sim, os gatos? Sim. Uma camada fina de céu ia pousando o Jardim. Uma corda, uma vassoura e uma folha de jornal. O frio. Já era tempo. De tempo frio. Já era tempo de tempo frio. A corda que me protegia o pescoço. Uma corda de lã. Quente, bem quente. A vassoura, uma almofada. Deve doer. Vassoura? Almofada? Varre o chão. Não, não o varras. A relva sabe melhor. Bem melhor. E o cobertor? Folha de jornal. Uma fina folha de jornal. Porque não?
Porque não?

13 de junho de 2009

The movie on your eyelids.



ouvir com atenção, por favor.

7 de março de 2009

Bom dia, bairro.

Subia as escadas e logo sentia o cheiro das castanhas a queimar-me a pele. O sol, que acabava de nascer, entrava-me pelos ouvidos numa bonita melodia e, enquanto caminhava, o som apressado dos passos das gentes transformava-se, acreditem, num aroma delicioso.
Chegava à sexta rua, depois do arco, olhava para cima abismada e dizia bem alto "Bom dia, bairro!". Parecia contraditório dizer bom dia ao bairro da noite, mas não é mentira que também vive de dia, e se vive!
O bairro não é sujo, como muitos o vêm. Tem sempre quem tome conta dele e o lave com o cuidado que merece. Cada vez que ia ter com a dona I., mesmo enquanto chovia, lá estavam eles, os senhores amarelos, a lavar cada cantinho do bairro. Cuidavam dele como se lhes pertencesse e no coração traziam guardado cada momento que nele viveram.
Que bom que era poder entrar em qualquer porta, e, ao encontrar gentes antigas, pedir, sem qualquer tipo de explicações, "conte-me a sua história". Como eu gostava de ler os poemas do senhor J., e de ouvir as divagações do senhor A. acerca da vida dos velhos. Que bem que sabia rir com as brincadeiras da dona M., e arrancar uma gargalhada ao velho R., que já não podia ver a beleza do bairro.
O bairro não tem só velhos, também tem crianças, para lhe darem vida. Jogavam à bola de um varandim para outro, e escondiam-se dos pais nas esquinas das ruelas.
Por vezes, quando regressava a casa, encontrava, perto do papelão, o senhor C., que deitava para a reciclagem os livros e jornais do dia. Pedia-lhe sempre que antes de os deitar fora, me lesse as palavras mais bonitas que encontrara, para que pudesse ir para casa com o sabor do bairro nos ouvidos.
Antes de me encontrar com ele, para bebermos um chá, passeava-me pelas ruas íngremes e altas do bairro e começava a ouvir cá dentro, num sussurro "o bairro do amor é feito a lápis de cor", e na minha cabeça, toda aquela beleza se transformava num emaranhado de rabiscos coloridos.
Os dias acabavam com festas no cabelo, e a frase que me enchia o coração: "É bonito ver como as pequenas coisas te fazem tão feliz!".

7 de janeiro de 2009

O peso das palavras.

Não escrevi antes com medo que as palavras se tornassem mais fortes que eu, e se mostrassem como eu não queria que fossem vistas.
Tenho visto muitos filmes, ultimamente. Filmes que tinha para aqui gravados, mas aos quais nunca dei grande importância. Antes preferia entreter-me lá fora, com a natureza. Observava os movimentos das nuvens e as formas que assumiam, deliciava-me com o som das folhas ao tocarem o chão, com o cheiro das flores coloridas do meu jardim, ou com o toque das gotas frias da chuva nas minhas mãos. Passados tantos anos sinto que já aprendi toda a natureza, já a conheço melhor que me conheço a mim. Tenho o tempo que me resta para aprender sobre as pessoas, sobre relações, sobre a vida. Coisas complicadas essas, se tudo o que vivi não chegou para as compreender. Sento-me no pequeno sofá da sala, coberto pela manta que a minha mãe me fez, já há tantos anos. Encho os olhos com as imagens bonitas dos filmes, as mãos com a textura rugosa das fotografias, o nariz com o cheiro a mofo dos livros que me fizeram a vida, e os ouvidos com aquelas músicas capazes de me transportar para os mais mágicos lugares, que tristemente me convenço nunca ter chegado a conhecer, enquanto saboreio uma chávena de chá. Vejo e revejo os filmes que preenchem a pouca mobília da sala. É nestes momentos que agradeço a minha fraca memória, que me deixa ver um filme duas vezes na mesma semana, sem sequer me recordar de pequenos flashes.
Sempre tive problemas de memória. Todos os meus amigos troçavam de mim. Lembro-me da minha médica de família, que, logo no primeiro dia em que me conheceu, ao se aperceber da minha falta de memória, me diagnosticou de imediato uma depressão, justificando-se com o facto de que apenas as pessoas infelizes e insatisfeitas se esquecem de tudo e mais alguma coisa. Sem qualquer margem para explicações da minha parte, obrigou-me a tomar uns comprimidos enormes ao pequeno-almoço, na época de exames. Na verdade, as décimas a mais que atingi durante aqueles três meses em que vivi sobre o efeito de drogas, ainda que naturais, não me tornaram uma melhor fisioterapeuta. Hoje sei que a minha fraca memória a longo prazo não poderia nunca ter resultado de uma depressão, a não ser que tenha vivido em depressão permanente toda a minha vida, o que me parece pouco provável. Os problemas de memória acompanharam-me ao longo de toda a minha vida, e não apenas nos atabalhoados anos de faculdade. Lembro-me dos meus utentes, que, conhecendo já a minha baralhada memória, se riam às gargalhadas quando passados alguns meses de recuperação me iam visitar, como forma de agradecimento, e eu nunca me lembrava do problema que os levara até mim. Confundia luxações com fracturas, membros superiores com ancas, meses com semanas. Uma verdadeira baralhação. Tinha a sorte de nunca me esquecer nem das caras, nem dos nomes dos utentes, e, dessa forma, não perder o meu emprego.
Parece que o compartimento da minha memória que guarda pessoas sempre se manteve em óptimas condições. Recordo todos os rostos que cruzaram os meus olhos, mesmo que apenas por breves segundos.
Lembro-me de todas as personagens das histórias de amor que vivi, e até mesmo das que não cheguei a viver. Nunca recuperei completamente de cada relação acabada, e mesmo passados alguns anos e já com outra pessoa, continuava a não me esquecer das relações passadas. Recordava pequenos pormenores, e tinha saudades. Ainda hoje as tenho. Tenho sempre saudades do cruzar embaraçoso de olhares, das festas nos cabelos e nas mãos, das cócegas nos pés, das cavalitas e dos abraços. Hoje sei porque nenhuma dessas relações teve um final feliz. Nasci sem o dom do amor. Nunca soube lidar com o dia-a-dia de uma relação, a ideia de estar com a mesma pessoa todos os dias sufoca-me. Sempre me fartei das pessoas com uma facilidade enorme. Lembro-me de inventar desculpas para não sair com os meus amigos simplesmente por me sentir farta deles. Nunca me entreguei como estavam à espera que me entregasse, acabando sempre por me tornar num motivo de desilusão. Só agora compreendo como era egoísta. Naquela altura não compreendia, e todo o amor cá de dentro se transformava em ódio, acabando por se infiltrar na minha cabeça como um estranho sentimento.
Como não tive sorte no amor, a ideia de um cozinheiro perfeito que me preparasse todas as refeições do dia foi-se desmoronando na minha cabeça, e tive, inevitavelmente, que aprender a cozinhar. Ao início foi doloroso. Deixei queimar uns quantos empadões, as sopas saíam muito piores do que as das cantinas das escolas, e o arroz mais desfeito que as papas para bebés. Com a prática as coisas foram melhorando, e hoje posso dizer que sou quase tão boa cozinheira como era a minha mãe. Lembro-me de me dizerem que nunca ia ser uma mulher. E, na verdade, houve uma parte de mim que continuou sempre criança, não deixando nunca que me tratassem como uma mulher normal. Ainda hoje me dizem que pareço uma criança. Ainda hoje não percebo porquê. Será pelo constante mau estado das minhas pernas, sempre inundadas de nódoas-negras? Ou pelos meus sapatos, que nunca tiveram o mínimo salto? Talvez seja pelas minhas gargalhadas barulhentas, que põem todos os olhos em mim e todas as bocas com um sorriso; ou pelos meus espirros, que pedem um ice-tea, ou um atum, dependendo do meu estado de humor; ou até pela forma estranha como me sento, sempre toda torcida.
Tantos anos passaram, e agora, aqui sentada, sinto-me como se estivesse há muito tempo enrolada numa enorme onda de água. Vou-me lembrando do que fui e do que me falta ser, e os vasos do coração entrelaçam-se, formando um grande nó. A minha veia na testa à Julia Roberts torna-se mais saliente, o meu dente morto mais amarelo, e as duas proeminências do meu nariz mais afiadas.
Lembro-me, inesperadamente, de como todos falavam da beleza e da sinceridade do meu sorriso, que eu nunca cheguei a compreender. O nó no coração vai alargando, a veia da testa deixa de ser visível, o meu dente morto embranquece, e as proeminências do nariz desaparecem.
E cada vez que estas transformações se dão, sinto os ossos mais fortes e as articulações menos perras. A minha respiração torna-se menos ofegante, e sinto falta do ar puro. Então saio de casa, e regresso à natureza.Volto a aprender tudo o que dela já sei, sem nunca me cansar.

24 de outubro de 2008


"Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz."



Saint-Exupé
ry, O Principezinho

21 de outubro de 2008

Não sejas plasticina.

Não sejas plasticina, sussurrou-me ele ao ouvido, na sua voz trágico-doce. E estas palavras, tão vazias e, ao mesmo tempo, tão cheias, foram ecoando dentro da minha cabeça até hoje.

Não sejas plasticina!


Não sejas plasticina!

Não sejas plasticina!


Não sejas plasticina!


Não sejas plasticina!



Não, eu nunca vou ser plasticina.

9 de outubro de 2008

Estique o joelho! Ombros para baixo! Calcanhar para o chão! Ombros para baixo! Estique o joelho! Amanhã deve chover. Tem chovido muito no resto do país. Até já houve inundações em Coimbra e no Porto. Na minha cabeça também. Ãh? Na minha cabeça também houve uma inundação. Uma grande inundação. Agora todos os pedacinhos pensantes estão a boiar lá dentro. Como numa sopa? Sim, como numa daquelas sopas medonhas das cantinas das escolas. Água e legumes a boiar. Legumes? Abóboras, feijões, cenouras, espinafres, batatas. Que baralhação de legumes! E eu que o diga, que os sinto tão bem cá dentro. Roliços pedaços de legumes a boiar na água que inundou a minha minúscula cabeça.

28 de setembro de 2008


Mais uma voltinha no carrossel dos esquisitos.


Cuidado para não enjoar!

25 de agosto de 2008

Gira que gira e torna a girar.

Um passo. Depois outro. Assim iam, calmamente, os frágeis pés tacteando o cheiro doce da calçada. As pedras, já gastas, que trajavam a terra nua da vila, viam-se embrulhadas em pedaços frescos de verde, que, sem saberem, as tornavam cheias de vida. Distraída, quis saber que sapatos trazia. Tinham passado muitas horas desde que os calçara (e a cabeça, essa, nunca deu para muito). Inclinou mecanicamente a cabeça sobre o tronco curvo, e, surpreendida, avistou pelo menos uma dúzia de caracóis dormitando nos pedaços de verde que davam vida às pedras da calçada. Agachou-se, para ver melhor e apercebeu-se que muitos deles não podiam estar a descansar, moviam-se tão lentamente, que o seu movimento se confundia com o leve oscilar das suas conchas nos dias de muito vento. Assustada com a ideia de que poderia ter pisado metade daqueles animais, caso continuasse caminho sem ligar aos sapatos, pegou, delicadamente, naquele que se encontrava mais ao seu alcance, que, ao sentir o calor dos seus dedos enrugados, logo se mergulhou no conforto espiralado da sua concha, e pousou-o sob as folhas das flores coloridas que se plantaram à beira da calçada. Assim foi passando o tempo, enternecendo-se com os diversos padrões de todas aquelas conchas. Manchas amarelas, riscas pretas, pequenas bolas esverdeadas, ziguezagues em tons castanhos, a variedade era muita. Pousava-os sempre na margem de lá, não fosse esse o grande sonho dos pequenos animais, e murmurava para os mais teimosos : 'Despega-te daí, que ainda és esmigalhado por algum pé apressado!'.
O senhor João observava, encantado, a vila do cimo do seu terraço, quando reparou no que se passava na viela do lado.
- Maria!, Maria! O que andas a fazer? - gritou.
A Dona Maria, surpreendida com tanta gritaria, olhou, com os maiores olhos que tinha, para cima da sua cabeça, e ao ver o senhor João naquela euforia, disse, calmamente:
- Estou a tirar os caracóis do meio da rua, para que ninguém os pise.
- Deixa lá os caracóis, tens que vir cá acima ver isto!
- Isto o quê?
- A vila vista daqui parece um jogo de blocos, daqueles que fazíamos quando éramos pequenos!
- João, tu sabes bem que a minha dor na perna não me deixa subir escadas.
- Faz um esforço, vais ver que vale a pena.
Pouco convicta, mas com a curiosidade a subir-lhe o corpo, olhou em frente e rapidamente os seus olhos transmitiram à sua cabeça o que viam: o Monte Evereste, mais íngreme que nunca. Respirou fundo, e pisou o primeiro degrau. Levava o mundo dos sonhos na mão esquerda, e com a direita pedia ajuda ao corrimão. Cansada, mas com os olhos mais brilhantes que a água translucida que corria na fonte, subiu o último degrau.
Num silêncio harmonioso, sentaram-se os dois no muro do terraço, e, aquecidos pelos raios-de-luz que brotavam do final da tarde, foram, esquecidos do que eram, duas pequenas crianças, que brincavam, encantadas, com blocos feitos de sonho.

16 de agosto de 2008

De que valeram os cinco-e-meio?

Fecha os olhos. Conta até 5. 5 1/2, vá.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Cinco-e-meio.
Ali estou eu, a olhar para ti com o meu maior sorriso. Não me vês? Ali! Hei??
Parece que já reparaste em mim. Começas a caminhar na minha direcção, sobre os teus passos calmos e despretensiosos. Esboças um sorriso.
Caminhas. Caminhas. Caminhas. Caminhas.
E eu cada vez mais Longe. Longe. Longe. Longe.
A tua cabeça desiste de manter o corpo acordado.
As pernas não se movem. O coração pára. Os olhos abrem-se.
Vais-me perdendo nas espirais de cores que rodam dentro dos teus olhos.
Sabes que nunca me vais encontrar, mas não choras.

Agora, de olhos bem abertos, vagueias por um conhecimento ainda desconhecido, um espaço assustador, mas que te fascina.



Como foi que deixaste que os teus olhos me perdessem?

15 de julho de 2008

Palavras com cor.

A curiosidade perdeu-me. Não quero saber. A música que dança aos meus ouvidos já não me interessa. Dizem que ando louca. La porque trago o chapéu amarelo a cobrir-me as costas e não a aconchegar-me a minha frágil cabeça. Lá porque a guitarra me enche o coração e não me aperta os dedos. Lá porque do meu olhar crescem flores e não nasce a luz do dia. Lá porque... Dizem que ando louca. Não quero saber. Vou tirar uma fotografia àquela árvore, que sabe que não nasceu numa praia. É louca, decerto.

13 de julho de 2008

Qual é o acorde da tua alma?

Nas linhas da minha mão escrevo o nome da tua alma, e imagino-a, funda e amarga, presa nas minhas muitas paredes. Sopra o primeiro grito mal se apagam as estrelas do céu, e assim fica, até que o vento quente da noite pinte o amarelo da lua. Aí, pára de gritar, escondendo a sua vida secreta e fugitiva. No silêncio cortante da noite, sonha e esquece as linhas da tua mão, onde pousa o nome da minha alma. Sonha e esquece o acorde agudo da minha alma, que por tantas vezes foi tocado pelas linhas marcadas da tua mão.

14 de junho de 2008

A mulher de vermelho.

Todos os dias, sem excepções, chega curtos segundos antes das oito à estação dos comboios. A cobrir-lhe as pernas, traz sempre umas calças vermelhas bem justas, às quais se sobrepõe um comprido e imponente casaco, também ele vermelho.
Acende um cigarro e pede-lhe que a acompanhe até que apareça o comboio, e ele, obediente, não a deixa sozinha. Enquanto passeia a sua cor vermelha pelos azulejos já velhos da plataforma da estação, o cabelo comprido esvoaça-lhe timidamente sobre as costas, fazendo lembrar o pequeno melro na sua primeira aventura pela independência, enquanto o fumo do cigarro se desvanece na cor azul do céu. Passados sete minutos, os seus olhos pretos avistam o comboio no horizonte imaginário. Ela agradece ao companheiro de espera com uma última baforada, e, em modo de despedida, aconchega-o com o salto pontiagudo do sapato.
O comboio, quase vazio, ou não muito cheio, vai atracando suavemente, esperando que ela se aproxime da sua carruagem predilecta. O lugar inanimado do andar de baixo está ainda vazio, à espera que ela o avive com a sua cor vermelha ao longo da extensa viagem.
Não estranha o cheiro vazio que o comboio traz.
Para aqueles lados nunca foi muita gente.

4 de maio de 2008

2 de março de 2008

21 de fevereiro de 2008

Estou sentada num canto do quarto, embrulhada em palavras. Ouço a chuva cair lá fora com tanta força que me arrepia. Vou até à varanda. Encosto o meu nariz à janela sarapintada pela água e ali me deixo ficar, até que o calor da minha respiração embacie os vidros de tal forma que os meus olhos vejam apenas uma densa névoa, e os meus dedos não resistam a rabiscar as coisas mais bizarras e irreais por todo o vidro.
Uma gaivota pousa na chaminé do prédio da frente. Fixo os meus olhos nos seus movimentos. Quase não se move, parece gostar da chuva. Além do cheiro a terra molhada que o trecho aberto da janela deixa entrar, sinto o teu cheiro, vindo não-sei-bem-de-onde. Fecho os olhos para o conseguir sentir melhor.
Já não chove. Os meus olhos continuam fixos na gaivota pousada na chaminé. Por momentos assusto-me. Sob ela já não existe o prédio azul e branco plantado em frente do meu. Existe agora uma casinha rasteira, feita de pedacinhos de tecido. Esboço um suspiro de alívio, quando nos vejo. Eu e tu ou tu e eu, como queiras.
Era a nossa casa. Vivíamos num mundo feito por nós. Tu imaginavas, e eu fazia. Utilizava os mais variados materiais para fazer qualquer coisa. E tu imaginavas qualquer coisa a todo o momento. Mesmo até enquanto dormias.
Fizemos a nossa casa, e tudo o que nela morava: os cortinados, os tapetes, as mantas, o telefone, os talheres e os pratos. Fazíamos a nossa roupa e a cor dos nossos cabelos dependia da temperatura lá fora. Não tínhamos mobília nem espelhos.
Consegui convencer-te a imaginares um gato sem pêlo e que não gostasse de perseguir passarinhos. Imaginaste-o em algodão, pintado de preto, com dois grandes botões azuis no lugar dos olhos e esparguete como fonte de equilíbrio. Eu dei-lhe um nome e tu vida. Depois quis fazer-te uma surpresa: um canário. Fi-lo com papel colorido em origami, como tu me ensinaste. Só não soube dar-lhe vida. Só tu tinhas essa magia, de dar vida às coisas.

Tinhas começado a imaginar personagens, todas elas com características únicas. Imaginavas xilofones que falavam, peixinhos encantados, anões coloridos e bruxas más. Também imaginavas pessoas. Pessoas com pernas demasiado compridas, ou com uma cabeça demasiado grande, com uma mão maior que outra ou quase sem polegar. Imaginavas as pessoas todas sem coração. Eu perguntava-te porquê e tu dizias-me que as pessoas eram más. Eu fazia as tuas personagens tal-e-qual como tu as imaginavas e tu pedias-me que lhes desse nomes. Era uma tarefa fácil: bastava olhar uns segundos para elas e concentrar-me na informação que os meus olhos transmitiam à minha cabeça. E depois, ao tratá-las pelo nome, conseguía perceber porque se chamavam assim e não de outra-forma-qualquer, como acontecia com a maioria dos objectos (porque é que o lápis se chama lápis e não nuvem?). Depois imaginavas histórias, que batias nas teclas de sabão da maquina de escrever, com medo de te esqueceres de algum pormenor importante. Inventavas passados e presentes, cruzavas vidas e histórias. Quando gostavas do resultado, corrias e ias buscar a tua câmara de filmar à prateleira dos objectos de plasticina. E ali mesmo fazias um filme, que me fazia rir, ou chorar, ou ter medo. E eu gostava sempre mais dos que me faziam saborear o sal líquido dos meus olhos.
Já cansados, sentávamo-nos no nosso cantinho aconchegado por mantas e almofadas e punhamo-lO a cantar para nós, no gira-discos de madeira, pintado a vermelho. Eu bebia um chá, tu um café. Não o acabavas sem acender um cigarro. Não me cansava de falar de como te faziam mal, no meu discurso demasiado saudável e assertivo. Davas-me um beijo na testa. Os meus olhos faziam-se o mais zangados que conseguíam (não era fácil). Às vezes corria atrás de ti para to tirar, mas tu escapavas-me sempre.
Pedias-me que te tocasse uma melodia no nosso piano,
feito com os pacotes do açúcar que nos adoçava os dias. Às vezes improvisava, outras, mesmo sem eu querer, os meus dedos rodopiavam numa dança mecânica, produzindo os sons exactos da flauta mágica. Nunca te cansavas de a ouvir, e pedias-me sempre que repetisse. Quando via que abrias demasiado a boca e fechavas demasiado os olhos, os meus dedos despediam-se das leves teclas do piano e os meus pés caminhavam na tua direcção. Enroscávamo-nos um no outro, e eu fazia-te festas no cabelo.
Os vidros estão demasiado embaciados para que eu consiga ver o que se passa lá fora. Desenterro a minha cabeça da janela e limpo o nariz frio com a manga da camisola.
Os meus olhos continuam fixos na gaivota pousada na chaminé.
A chuva continua a cair lá fora.

18 de janeiro de 2008

O Sol de lá.

Sentei-me nas escadas brancas à espera do próximo comboio. Via as pessoas enquanto o Sol me ia aquecendo a pele, e ela pedia mais.
E mais. E mais. E mais.
Entrei no comboio e tive a certeza que hoje a chegada a casa seria bem diferente da dos outros dias: sentia-me muito mais quentinha.



Que saudades do sol a queimar-me a pele.

23 de dezembro de 2007

Está frio aí dentro?

É tempo de abrir o gira-discos esquecido no canto da casa, e ouvir as melodias de natal que arrepiam e aquecem o coração.


15 de dezembro de 2007

Encontros com gentes de outro tempo.

Seguía pela rua velha, cantarolando baixinho a sua melodia preferida.
- Ah.. Olá! Há tanto tempo que não te via. Está tudo a correr bem?
-Sim, e contigo?
-Também.
- [Silêncio.]
-Bem, então adeus!
- Adeus!

Mudou de melodia e continuou o seu caminho...
- Olá!
- Olá! Estás boa?
- Sim, e tu?
- Também! Estás tão gira!
- Oh..
- [Silêncio.]
- Então adeus.
- Adeus.

Seguiu em frente, mas desta vez sem qualquer melodia a sair-lhe por entre os dentes. As palavras congelaram, com tanto frio.

As conversas que antes eram tudo, tornaram-se em quase nada. As palavras somem-se das bocas. Não há movimento, não há som. O que há é apenas um silêncio embaraçante, um total congelar.
As gentes mudaram.
As melodias acabaram.
As conversas, essas, são agora sempre as mesmas.



Tenho pena que assim seja.

8 de dezembro de 2007

Nouvelle Vague.

- I want to hear everyone screaming fuck as loud as you can. Un, deux, troi!

-
FUCK!!!




O concerto no casino foi genial.
E o grito soube-me mesmo bem.