Fui buscar a caixa mágica. Não a abri, porque já é aberta. Assim custa menos, dizem. E é verdade. Não é fácil abrir uma caixa destas.
E comecei. Fui tirando, aos poucos, todas as tiras de papel brilhante que enchiam a caixa, ao mesmo tempo que nelas entrava, cantarolando aquele play, que me tocava aos ouvidos. Entrei em todas, mesmo naquelas que não chegaram a fazer parte de mim. E como entrei, também saí. Quando dei por mim, e voltei a ouvir a minha voz novamente, estava rodeada de tiras de papel brilhante, espalhadas pelo chão de madeira do meu quarto. E a caixa mágica, que é aberta, tão vazia. E o play, que ainda não o tinha deixado de ser.
Arrumei todas as tiras de papel brilhante na caixa mágica. Tentei arrumá-las tal e qual como estavam antes de nelas entrar. Um tentar totalmente em vão. Mas a caixa, que é aberta, ficou mais que cheia, tal e qual como estava, e isso é o mais importante.
Antes de pegar nela, e levá-la para o seu sítio, roubei-lhe uma tira de papel brilhante, a mais brilhante de todas. Roubei-a e guardei-a no coração. Espero que não se importe. Quase de certeza que não irá notar, está mais que cheia, tal e qual como estava. A minha língua continuava a mexer-se, produzindo sons em uníssono com o play.
Peguei na caixa das tiras de papel brilhante e levei-a para o seu sítio, aquecido por trapos que já ninguém usa.
Voltei ao chão do meu quarto. O som calou-se. O play transformou-se em stop. E a minha língua congelou.
Revivi-a durante um play. Dezoito anos, quase dezanove durante um simples toque no maior dos botões. Dezoito anos, quase dezanove durante doze músicas.
E ainda tive tempo de arrumar tudo o mais direitinho que consegui.
E olhem que arrumar uma caixa destas custa.
E fechá-la, ainda mais ...! (mas esta, esta é aberta.)
Ouvindo: Donna Maria.